sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Jeito de artista



Sei que  hoje é 22 de fevereiro - e  o dia da semana?
Acordei assim, perdido nos dias, talvez pelo enorme sol que entra pela janela e, por ser grande, o sol, este sol projeta-se na minha cama. Há outros sóis, pequenos, minúsculos, frios e distantes.
Levantei-me, corri o que faltava correr do cortinado  e o dia soube-me a verão, África ou coisa assim. Sabe-se  que o  “sol não é o mesmo aqui”, na serra, mesmo no verão, mas esta é a única  época  em que se  assemelha  ao sol que me levou para além do  cabo das Tormentas. Quero  dizer: o dia soube-me a verão, sim, mas  sem os cheiros que, medulamente,  Mia Couto descreve. O escritor moçambicano, nas palavras,  finta como o Eusébio.
Certa vez, no campo pelado do Sporting de Lourenço Marques, numa partida de futebol, meio a brincar, na equipa adversária  (Ferroviária de Araraquara, brasileira) alinhava um avançado careca,  veloz e dono de finta nunca vista. Era assim: na cara do defesa contrário, o jeito de artista fazia com que a bola saltitasse de pé para pé até ao gesto  com que   a fazia passar  por cima do adversário. Era tudo tão rápido e eficaz que o público não dava descanso aos aplausos. No jogo seguinte, em que o Eusébio jogou pelo Sporting, e eu a ver,  o “pantera”  assimilou a finta e deixou-a a falar português moçambicano.
- “Xiiiiiiiii, mulungo, tem xicuembo nos bota, jura mesmo!
Quando foi isso? Se agora não sei “a quantas ando”, acham que, meio século depois,  ainda guardo na memória miudezas dessas?
- Ah, já sei: hoje é quinta feira, dia do ”5 Para a Meia Noite”,  vi agora o  reclame na televisão!
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Mulungo - homem branco
Xicuembo - Deus, espírito

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Com licença, que se faz tarde

Diz-se que o acordo ortográfico “é um fiasco político, linguístico, social, cultural, jurídico e económico”; sabe-se que Angola e Moçambique ainda não ratificaram o acordo - nem o irão fazer, como é de calcular....
É por tudo isto e mais qualquer coisinha do rol dos argumentos subscritos pelas figuras públicas que, mais dia menos dia, o "sargento" manda a formatura voltar à primeira forma. Estou "a favor": a "tropa" a marchar é que faz figura na parada, concordo com o presidente: (...) Marcelo Rebelo de Sousa, já admitiu que Portugal deve acompanhar o processo e “ver se há razões para reponderar”.
A notícia de que, hoje, o Parlamento vai debater uma petição que pretende a desvinculação de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990 é bom de saber, mas com reticências no recuo da "coisa".
... Desde 13 de maio de 2015 passou a ser obrigatório, em Portugal, o uso do novo acordo ortográfico. A "guerra das palavras" teve início seis anos antes, tempo demasiado para se considerar que a "contenda" tenha terminado... em paz, com as armas ensarilhadas.


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Primeia página


Há dias em que baralho as ideias de tal forma que me obrigo a reflexão mais ou menos minuciosa. O mundo, na verdade, não fica de pernas para o ar quando tal acontece. No meu caso, o mundinho onde me movo, de tão pequeno, passa despercebido, mas quando tenho as ideias desordenadas, fica mesmo virado ao contrário, como aconteceu um dia destes quando folheava um jornal diário.
Um anúncio dos “classificados” publicitava que determinada senhora oferecia os seus préstimos para acalmar o "stress dos leitores". Em três linhas apresentava o currículo físico e deixava adivinhar, no final do texto que era  "especialista na matéria", com o pormenor acrescido de, dizia ela, ter sido namorada de um futebolista!
O reino da publicidade usa palavras “plebeias” que nos empurram para o consumo de determinado produto; no caso, o eventual facto da referida dama ter namorado com um fulano que ganha a vida ao chuto (numa bola), e isso representar mais valia no marketing do “artigo,” fez-me sorrir...
Imagine-se a primeira página de certo tabloide, ou uma qualquer revista "cor de rosa" - tanto faz :
- "Fulana de tal, ex namorada do futebolista Y, assume-se como prostituta” – e acrescentaria o seu (dela) número do telemóvel para que pudessem ser confirmados “ao vivo" os prazeres implícitos que o rapaz da bola "atirou às malvas"! 
-
Adaptado da croniqueta publicada em março de 2009, com o título "Prazeres implícitos"

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Imortal: Nat King Cole


                                    



Hoje é dia de recordar Nathaniel Adams Coles, aliás: Nat King Cole, cantor de excelência e exímio pianista. Nat King Cole é imortal para quem, como eu, permanece enamorado pelo timbre único da sua voz. 
Guardo religiosamente o seu primeiro sucesso como cantor: "Straighten Up and Fly Right”, gravado em 1943.
Nasceu a 17 de março de 1919 e faleceu no dia 15 de fevereiro de 1965.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Amor assim...



Amor assim, era sentimento nunca imaginado.
Ele, adolescente - a descoberta de um estado de alma tão profundo e indecifrável fazia dos seus dias - de todos os dias - um ritual com hora certa na troca de olhares. Ela, adolescente, na varanda do 1º andar, ele no passeio, de passagem; além de olhares, trocavam beijos com gestos. Em silêncio.
Se ela sorria, ele sorria.
Se ela mostrava tristeza, ele ficava triste…
Como quem fala, o gesto questiona :
- Que aconteceu?
Ela, chorosa, em silêncio, apontou a porta da varanda - depois dela, da porta, a mãe, ocupava o tempo com delicados afazeres com agulha, linha e dedal….
- Outra vez?, perguntou ele num sussurro. A resposta veio calada no gesto: a mãe, voltara ao tema predileto:
- Não quero cá namoricos. Primeiro os estudos, tem juízo. Ai se o teu pai sabe…
E aos dias sim, no parque José Cabral, nas oportunas visitas ao museu Álvaro de Castro, depois das aulas na Escola Comercial, seguiam-se os dias não, sem partilha de juras de amor, mão na mão.
- Não quero cá namoricos. Primeiro os estudos, tem juízo. Ai se o teu pai sabe…
Tantos foram os dias assim que ele jurava cumprir a ameaça de chegar à fala com a mãe dela.
- Nunca faças isso, ia ser pior…
Naquele dia não, o cansaço dos rituais chorosos exasperou-o e ele, no passeio, de passagem, anunciou:
- Volto já!
...


Subiu as escadas e tocou à campainha do 1º andar. Abriu a irmã mais nova, estarrecida de medo.
- A tua mãe, posso falar com a tua mãe?
- Mãe, está aqui um senhor…
- Quem é ?
- ...Quer falar contigo.
Veio a mãe.
- Boa tarde, que deseja?
Ele:
- Boa tarde. Sou o namorado da sua filha. Queria conversar com a senhora...
A mãe, sem fala na resposta, convidou-o a entrar…
Sentados à mesa, trocaram argumentos. Longos foram os minutos.
As duas filhas, atentas ao debate, longe das vistas.
- ... Bem, sendo assim… por mim, não me importo que namorem, mas tem de falar com o meu marido.
- Falarei com o seu marido. Peço-lhe que interceda junto dele…
A senhora, dias depois, cumpriu a promessa
... e o marido disse que sim.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

BC 20

In memoriam...


Passos... ruído...
e tudo num repente se transforma:
as sombras são homens
e a noite faz-se dia - é o céu que se ilumina
com o ribombar dos clarões;
eles caminham,
correm, caem, vêm aos trambolhões!

Eis que as trevas se desvanecem
e "eles" aparecem!!!
...
Aqui um ruído,
além um grito,
um corpo que cai
sem um gemido
sem um ai!



Vila Cabral/Niassa -BC 20
RECUAR MEIO SÉCULO

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

"Atirei o pau ao gato to - to / mas o gato to-to não morreu..."




Professora benfiquista muda 'Atirei o Pau no Gato' e gera polémica



"A inocente cantiga Atirei o Pau no Gato se transformou em mais um capítulo da acirrada rivalidade entre Porto e Benfica. A polêmica aconteceu em uma escola infantil de Ericeira, 35 km ao noroeste de Lisboa, em Portugal. Pai de uma menina de 4 anos, o encarregado de educação Eduardo Mendes apresentou queixa formal ao Ministério de Educação do país contra o estabelecimento por exaltar o Benfica em música adaptada para ser cantada pelas crianças.
Segundo a Agência Lusa, que teve acesso ao protesto, o trecho "Vai-te embora pulga maldita/batata frita/viva o Benfica" foi encaixado à música, cantada várias vezes ao dia na escola. O fato indignou Mendes, que se classificou como um torcedor "não muito fervoroso" do Porto.
Na queixa, o pai alega que tal influência compromete o respeito pela diferença, individualidade e civismo, lembrando que "a escola deve ser um espaço onde nem política, nem religião, nem clubismos desportivos devem ser alimentados". "O fato causou indignação ao próprio Porto, que publicou uma nota nesta quinta-feira saudando o "civismo" do torcedor e classificando, de acordo com o clube, o ativismo das escolas públicas aos feitos pelos aiatolás aos adeptos do islamismo, dizendo que o estabelecimento era uma madrassa -que ensina valores do Islã. O FC Porto saúda o civismo do pai e condena este proselitismo feito em escolas públicas, que em vez de ensinarem os valores da liberdade de escolha, ou de opinião, preferem ser uma espécie de "ayatollahs"(sic) das suas próprias preferências", opinou o Porto, que classificou os profissionais da escola como "fascistas". Procurado, o diretor das escolas de Ericeira, Alfredo Carvalho, preferiu não se pronunciar. Mendes afirma que chegou a falar com a professora da filha antes de fazer a queixa ao Ministério da Educação, ao perceber que a prática ocorria desde o início do ano letivo. Mas teria obtido apenas um "quem está mal, muda de escola", além da justificativa de que das 15 crianças da sala da filha, apenas duas não torcem para o Benfica. Por conta dos desdobramentos, Eduardo Mendes já cogita a possibilidade de mudar a filha de escola".
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Publicado em março de 2012

Surripiado daqui:
http://esportes.terra.com.br/futebol/europeu/2012/noticias/0,,OI5679782-EI18009,00-Professora+benfiquista+muda+Atirei+o+Pau+no+Gato+e+gera+polemica.html

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Conversas de cristal

(...) As conversas estavam servidas numa taça Lalique, 

como as cerejas à sobremesa; foi por isso que a uma se seguiu outra, e outra, e outra! Desfrutei, pois, o momento que era único - será único, digo eu, porque faço de profeta quanto ao futuro…

Horas depois, agora, noite alta a entrar na madrugada, continuo com a agradável sensação de que, como a Samaritana, que Coimbra canta, ( “… que bem eu fiz, Senhor, em vir à fonte”) , também eu fiz bem aceitar a conversa “…a las cinco de la tarde”, (apetece-me citar Garcia Lorca pela coincidência da hora e não pelo conteúdo do poema!…) – e vou trauteando o fado coimbrão, cuja mensagem bem pode ter alguma analogia com o que me vai no pensamento porque uso o adjetivo “plebeu” como identificação do que sou, e associo-o à “redentora” de cabelos grisalhos – não por ser quem é ou pela imensidão do sorriso que redimiu o meu dia, mas pelo efeito circunstancial de me deixar acordado na sensação agradável… de um fado(...).

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Excerto da croniqueta publicada em em 2011, com o título  Sonhos do profeta com que me fiz

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O amigo alentejano


Os tempos vão maus, demasiado maus, queixamo-nos em grupo, carpimos mágoas unidos, juntinhos, como os pinguins no Ártico para suportar melhor as tempestades.
Os sorrisos são quase nenhuns, vive-se, sobrevive-se, não há humor de gargalhar, nem na TV; para além do Herman José, sobram graças do Fernando Mendes no “Preço Certo” – é pouco.
Não somos um povo alegre, mesmo no Carnaval “abrasileirado”, que está por dias, mas temos queda para associar estórias ao anedotário nacional, mesmo agora, em tempos de crise. Valha-nos isso!
O meu amigo alentejano Davide (com "e" no fim…), com sotaque a preceito, é excelente contador de anedotas; algumas têm “barbas”, mas como faz a festa por inteiro, do princípio ao fim, sempre a rir e com gestos largos (é um homem sem “crises” - será?), as piadas cheiram a novo. O jeitinho para ator é inato; se eu “mandasse”, fazia do Davide um profissional à altura da melhor concorrência do Stand Up Comedy nacional!...
Não é por nada – minto, é por causa das crises! – mas estamos necessitados de sessões de humor que aliviem a penúria da tristeza, mas não há volta a dar ao estado dos sorrisos. Convenhamos, em suma, que rir faz bem à saúde e, li há pouco, pode ajudar a curar certas doenças e aumentar a esperança média de vida, o que é óptimo, a não ser que a pessoa com vontade de viver mais uns anitos esteja às portas da reforma; nesse caso, fique a saber que os pensionistas vão perder um quinto da dita (reforma) até 2050 – quanto maior for a esperança média de vida, menor será o valor da reforma!
Perante factos, quem tem vontade de sorrir, rir ou gargalhar?
Nada a fazer, é assim e… pronto.
Resta o exercício de “estar vivo”, que, só por si, já é uma “dificuldade” que nem sempre temos capacidade para gerir a contento.
…Com urgência, tenho de localizar o meu amigo da Amareleja!
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Adaptação da crónica: " O amigo alentejano" - in "Correio da Beira Serra" - Janeiro/09