quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Quando o telefone toca

Depois da calamidade de outubro, com  as chamas a lamberem as traseiras da minha casa, fiquei sem possibilidades de  continuar com a  ocupação dos "tempos livres", via internet, com mais ou menos tempo ligado à antena. Há  costumes assim, viciantes, assumo,  mas que fazer por aqui, no meu sítio, eu setentinha,  para além da leitura e da escrita e, vamos lá,  cuidar  do jardim (o resto da quinta está em permanente pousio) dos animais de companhia, da casa e de moi même?
Ao longo das estradas,  os cabos  "do sinal" do telefone ficaram  esturricados. Quilómetros e quilómetros de fio sem "vida", de mim para mim e para quem carpia comigo a mesma  desgraça,  ia dizendo  que   "... talvez em janeiro tudo voltasse  à normalidade". E foi.!
Neste espaço de tempo, perdi a conta aos telefonemas que fiz para a operadora com quem assinei determinada prestação de serviços; com mais ou menos dificuldades fui levando a carta a Garcia, os queixumes de  sempre, etc e tal,  do outro lado da linha   a simpatia  das palavras "... lamentamos, estamos no terreno, sim, sim - vamos enviar-lhe uma nota de crédito...".
Já com a comodidade da fibra óptica instalada, recebi um telefonema da operadora, voz de menina, gentil como convém, mas desta vez  ainda mais  simpática, a voz:  "pedimos desculpa pelo incómodo destes últimos meses, sem o nosso serviço,  esperamos o melhor, daqui para a frente e..."  a voz, a mando de quem dá ordens, excedeu as minhas expectativas -  gostei.


- É do "quando o telefone toca"? Posso pedir um disco?   Obrigadinho... não, é sem dedicatória, é "p'ra" mim...

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O bumerangue das memórias

Um dia recebi uma carta de amor, não a que imortalizei no longínquo ano de 1968, de mim para mim, num poema tão puro quanto singelo - como militar, na época, os malefícios  da guerra eram suportados pelo placebo das palavras de conforto  escritas nas  cartas e aerogramas vindos  de longe; a pureza dos sentimentos e a singeleza da escrita faziam de cada soldado um poeta - mas a que chegou a meio da tarde de um  dia distante do ano de 2009, era primavera. Esta foi a última carta de amor que o carteiro deixou na minha caixa do correio – a última, embora persistam os gestos românticos e fugazes paixonetas silenciosas, logo inconsequentes, sem direito a cartas de amor de cá para lá, de lá para cá.
Quando junto a saudade à nostalgia, não é ruim de todo: deixo voar o pensamento, que se transforma num veloz bumerangue  com retorno garantido “à minha mão”,  carregado  de memórias…

(…)
Ela veio, a tua carta,
(…)
Ela dizia-me as coisas de que eu gosto,
que tu me dizes
 (…)

*
Publicado no diário "Notícias", de Lourenço Marques, em outubro de 1968

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

O "Carteiro"



...  é quase impossível recriar ao vivo “O Carteiro de Pablo Neruda” porque a poesia anda arredia dos amores, escritos a tinta e em maiúsculas, que tanto seduziam a bela Beatrice Russo – o melhor é ver o filme e deixar-se enamorar por ele.

domingo, 21 de janeiro de 2018

Eu e o senhor Silva - amigos como dantes


Há um tempito zanguei-me por coisa pouca com o vizinho do terceiro esquerdo. Era chato porque o senhor cruzava-se comigo e eu ficava sem jeito: "olho para ele ou não, digo bom dia ou finjo que não o vejo"? Estas dúvidas atormentavam-me com frequência, ou com a frequência com que passávamos um pelo outro, para ser sincero. Então, resolvi fazer as pazes com o senhor Silva (é o último nome do meu vizinho...) e agora, pelo Natal, desejei-lhe "boas festas", estendendo a mão. Retribuição da praxe, que agradeci. Simpático, este senhor Silva!... - Pronto, pensei, assim é que é bonito, os vizinhos não devem andar desavindos, ainda nos cruzamos em algum sítio público com mais pessoas por perto, e continuaria a ser chato alguém notar a indiferença mútua... 
Confesso que fui um pouco agressivo com ele no dia em que decidi virar-lhe as costas - até fiz por esquecer o seu nome próprio, com o intuito claro de o desconsiderar aos ouvidos de quem estava. Errei, dou a mão à palmatória da professora Georgina, que já morreu, por isso descanse em paz, por mim está perdoada (as reguadas nem sempre eram justas, mas o que lá vai, lá vai). Como se vê, tenho esta mania de esquecer e perdoar os arrufos, as injustiças, etc, etc... 
Entretanto, o senhor Silva candidatou-se ao lugar de presidente do condomínio do prédio que habitamos e não está de modas: organiza um comício junto à porta do elevador, no rés do chão, com a intenção de explicar aos restantes inquilinos as razões da sua candidatura (um ritual de todos os comícios, digo eu...) ! Ainda lhe zumbi ao ouvido que sem um "bebício" era difícil juntar as pessoas, o senhor Silva concordou e deu, de imediato, ordens à técnica da limpeza das escadas para comprar bifanas, "minis" e sumos sem gás. Como sou presidente do clube do bairro e tenho alguma influência (modéstia à parte) junto dos vizinhos do primeiro andar e não só, o senhor Silva, sem qualquer intenção de se aproveitar da minha posição social, é preciso que se diga, convidou-me para estar ao seu lado no dia da festança. E assim foi! Até usei da palavra para afiançar que a nossa desavença foi coisa de putos, hoje somos grandes amigos, enfim.... disse o que a ocasião pedia, do alto meu havano, num jeito tipo democrata: eu é que sei, eu é que mando - essas coisas que sempre se dizem quando se tem um estatuto social como o meu! Agora é esperar pelo dia das eleições, que estão para breve.
...
Publicado em junho de 2009, com o título 

"Amigos para sempre"

sábado, 20 de janeiro de 2018

As "grandes pessoas"

Na ânsia de sermos grandes pessoas, por vezes crescemos vaidosos, arrogantes, “únicos”! E também um pouco mauzinhos - depende dos afrontamentos dos dias ou dos tons acinzentados das horas; o ideal seria “praticar a maldade” por breves segundos, rapidinho e de soslaio, para que poucos dessem conta… de quanto crescemos!

Fernando Vale, o Mestre, dizia que (…) os graus de decadência que a Humanidade atingiu são tão elevadas que o futuro só pode ser melhor – nunca pior do que está!

sábado, 13 de janeiro de 2018

A derradeira carta de amor

Todas as Cartas de Amor são Ridículas
Todas as cartas de amor são 
Ridículas. 
Não seriam cartas de amor se não fossem 
Ridículas. 
Também escrevi em meu tempo cartas de amor, 
Como as outras, 
Ridículas. 
As cartas de amor, se há amor, 
Têm de ser 
Ridículas. 
Mas, afinal, 
Só as criaturas que nunca escreveram 
Cartas de amor 
É que são 
Ridículas. 
Quem me dera no tempo em que escrevia 
Sem dar por isso 
Cartas de amor 
Ridículas. 
A verdade é que hoje 
As minhas memórias 
Dessas cartas de amor 
É que são 
Ridículas. 
(Todas as palavras esdrúxulas, 
Como os sentimentos esdrúxulos, 
São naturalmente 
Ridículas.) 

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa 

*****
"(...) Tua... ( era assim que se velavam as cartas de amor)"