segunda-feira, 29 de setembro de 2014

"Arte de Furtar"

Veio parar-me às mãos uma edição gráfica da Gulbenkian, onde se podem ler alguns textos escritos no Século XVII. Um deles, sem nome do autor, intitula-se a “ Arte de Furtar”.

Ficam os títulos que encimam alguns capítulos  "...da graça literária..."(1), para merecimento da atenção do leitor:

“Como para furtar há arte, que é ciência verdadeira”; 
“Como a arte de furtar é muito nobre”; 
“Como os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões”;
“Como se furta a título de benefício”, etc.

“… Assim se prova que há arte de furtar; e que esta seja ciência verdadeira é muito mais fácil de provar, ainda que não tenha escola pública, nem doutores graduados que a ensinem em universidade, como têm as outras ciências...” – anotou o escrevinhador, ilustre desconhecido.

... O livrinho parece ter saído agora do prelo...
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(1) Sobre o eventual autor da obra e outros apontamentos, ler:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arte_de_Furtar

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

As últimas telhas da CARRIÇA




A CARRIÇA tinha a morte anunciada!
Hoje foi o dia - o derradeiro dia para imaginar  a última viagem das telhas a caminho dos fornos, agora adormecidas nos leitos. Quem tivesse a carteira mais recheada, podia chamar-lhes suas. Preço base para o lote: oitocentos euros !
- Quem dá mais... quem dá mais? , perguntava  o leiloeiro obstinado.
Subiram as ofertas, o negócio fez-se por quatro mil e duzentos euros, "...para aquele senhor com a chapa número "tal"...".
Mais lotes, peças individuais, mobiliário de escritório, pá carregadeira, empilhador, caterpillars, laboratório,  linhas de produção...
- Duas linhas de produção por setecentos mil euros. Quem oferece mais?
Plateia muda, burburinho na sala...

Antigos funcionários da CARRIÇA estão perplexos com os silêncios - um, de cabeça baixa, por certo negava as evidências do momento que lhe entristecia a alma...
Sem ofertas, o leiloeiro cumpre a lei e pede aos interessados que se pronunciem.
Agora sim, era chegada a hora do "banquete". 
Animaram-se as vozes - a mais sonante ficou-se por menos de metade da base  da proposta inicial.
- Vendidas àquele senhor, com a placa "x",  por trezentos e dez mil euros!
A CARRIÇA tinha a morte anunciada! Hoje foi o"último suspiro"...
Antes, durante e depois do leilão do património da "CARRIÇA", Gabriel García Márquez, escritor colombiano, Nobel da Literatura em 1982, permaneceu vivo nas memórias das minhas leituras - não pelo best seller "Cem Anos de Solidão" ou "Memórias de Minhas Putas Tristes", por exemplo, mas pelo título com que batizou uma das suas laureadas obras: "Crónica de uma Morte Anunciada".
 Surrupio a ideia, não o conteúdo da estória...
 - "Tenho uma tristeza profunda pelo esbanjamento deste património (...), vendido ao desbarato..." . O  funcionário com "...  dezenas de anos de casa", meneou a cabeça, desabafou mágoas   e virou-me as costas. Por certo nem reparou no sujeito da chapa número "tal" quando retirou um "braçado" de notas do bolso das calças ...