quinta-feira, 31 de março de 2016

Curtas memórias...

O meu sítio, Barril de Alva, tem recantos que, fosse eu poeta, havia de imortalizar em palavras nunca somadas em verso, com ou sem rima - bastaria que, em mim, houvesse engenho e arte para transformar o belo do pensamento, impossível de traduzir...
O Urtigal exerce tal fascínio que me transporta aos silêncios de quando me sinto solitário, voluntariamente abandonado. Aqui, no Urtigal, nem solidão, nem abandono: basta o rio que me remete para curtas memórias da infância, feitas de fantasmas e medos. 
O rio, o "meu rio", sempre de barriga cheia, nesse tempo, tinha barulhos inexplicáveis. É por isso que "pinto" o caneiro" à imagem da minha infância. Possivelmente, contínuo criança...


 (Clicar na imagem)

domingo, 27 de março de 2016

O "estádio" do Artur

Aninhado no sopé do monte, o retangulo não deve ultrapassar os cinquenta metros quadrados. Em cada canto, uma estaca delimita o espaço. E há duas estruturas de madeira erguidas ao alto, como balizas - é de um “estádio” que se trata, na imaginação do pequeno Artur, quatro anos de gente…
Nota-se que o “ervado” merece cuidados técnicos, mas não há marcações, e o “penálti”, se o houver, é para cobrar mais ou menos a meia dúzia de passos da imaginária linha de baliza. Certamente, o Artur, o primo João, bastante mais crescido (vai nas treze primaveras), e o Paulo, pai do Artur, não se importam mesmo nada com as “faltas”; árbitro também não deve haver, por isso, vamos ao jogo!
A bola está à espera - já lá estava, sozinha e “triste”, quando a descobrimos no “estádio vazio”, meia escondida pela “relva”.
(...) Convém que as duas equipas tenham número igual de jogadores; à hora do jogo, devem surgir mais uns quantos amigos e então sim: começa a partida!...
Pode ser que nada aconteça como imagino, e não passe de uma brincadeira familiar, sempre se exercitam os músculos e o Artur dá asas ao sonho de chutar a bola num campo a sério, com balizas e tudo!...
(...)Desconheço se o jovem atleta, que “treina” num campinho à porta de casa, procura imitar as fintas e os remates do seu ídolo, se o tiver.
Se há admiração, por exemplo, pelo Cristiano Ronaldo, é bom que o Artur  conheça quais foram os princípios do seu “herói” na prática do jogo da bola...
Já agora, ainda lhe digo que o “grande” Eusébio jogava descalço durante as intermináveis partidas que tinham lugar na terra batida e poeirenta do bairro da Mafalala, em Moçambique, e nem por isso deixou de chegar onde chegou…
- Que o jogo comece sem árbitro nem marcações no “relvado” – desde que a bola “pule e avance”, os sonhos são todos dele, do Artur, o dono “estádio”!
“Bora” lá, Artur, chuta-me essa bola, que o guarda-redes “está de costas”!
Goooooooooolo!!!
Adaptado da croniqueta com o mesmo título, publicada em junho de 2009

sábado, 26 de março de 2016

Lavadeiras

Os pequenos povoados, as aldeias como a minha, têm uma história que não pode ser contada apenas e só pela visão de um arado, de um ferro de engomar, de um prato recuperado com agrafos (chamavam-lhe "gatos"!), de um alcatruz - podia continuar a citar outros objetos usados pelos meus antepassados….
O sonho de documentar a história ocupa-me a mente quando recolho imagens como a que escolhi para ilustrar o texto. "Lavadeiras" - chamo-lhe assim porque a fotografia mostra a ocupação de algumas mulheres durante determinado período do verão na minha aldeia, quando os "senhores do Chiado" vinham passar férias ao palacete da família Nunes dos Santos, proprietários dos Grandes Armazéns do Chiado de boa memória, naturais do meu sítio, Barril de Alva, uma aldeia maneirinha nos seus 3,3 kms, bem servida de excelentes acessos e outros pequenos "luxos", que se orgulha do "seu" rio Alva e de algumas das pessoas que por cá ergueram obra de relevo para uso do povo.
Na imagem, salta à vista uma roda de alcatruzes, fonte de vida das margens do rio durante centenas de anos. Hoje, no meu sítio, apenas um destes engenhos, erguido pela teimosia da extinta Junta de Freguesia, documenta o passado, embora como elemento decorativo da paisagem.

quarta-feira, 23 de março de 2016

"Lei do talião" - sim , ou não?

Parte  da croniqueta  publicada aqui no dia 15 de novembro de 2015, com o mesmo título.  Mude-se a data e o local - Bruxelas. As palavras ficam, as emoções também...


Sou  dos que deixa cair uma lágrima quando a emoção é mais forte do que a razão. 

Desde que me conheço, sempre reneguei a violência física. Quando a verborreia das palavras justifica  resposta a condizer na mesma forma e estilo, recuo nos gestos, faço silêncios incómodos para mim e para o meu opositor. Depois, no sossego dos meus pensamentos, revolto-me  por ser como sou, "fraco", "cobarde", talvez...
Porém, há momentos em que (parece...) nada sei de mim, o que me assusta, confesso. Agora - hoje, ontem - era bem capaz de levar à letra  a "lei do talião": olho por olho, dente por dente.
A partir do momento em que tomei conhecimento da carnificina ocorrida em Paris, parou (quase) tudo no meu pequeno mundo: continuo preso às notícias da TV, a toda a hora, acordo uma, duas vezes por noite e recorro ao tablet para  estar a par dos desenvolvimentos dos factos, telefono a alguns amigos para trocar ideias... esqueço-me das minhas obrigações sociais, em suma.
Devo estar doente, terrivelmente doente, ou virei do juízo (?) por insistir  na punição que é devida a quem praticou tamanha barbárie (...).

terça-feira, 22 de março de 2016

O "amor é perfeito"...


... o "Amor é Perfeito" à chuva

Decibéis a mais


(....) Seis horas numa sala do hospital a aguardar por uma consulta, dão para imensa coisa: ler o jornal, partes de um livro, ouvir as conversas dos vizinhos, ou passear o olhar pelos rostos de quem está, como eu,… à espera. 
Aproveitei o tempo consoante o cansaço que proporciona a incómoda cadeira; se me concentrava na leitura, de quando em vez, ficava em alvoroço com uma voz de mulher que vinha do altifalante. Era timbrada, e os decibéis, acima da média para o local, preenchiam “violentamente” o espaço.
Ao meu lado, uma senhora, entrada na idade, “passava pelas brasas”. Tantas vezes se sentiu incomodada com as chamadas, do estilo “António Francisco Simões, sala cinco” (aquilo era rápido, questão de segundos!), entre tremores e um ressonar “simpático”, a dado momento deu um salto na cadeira e soltou um sonoro desabafo:
- Ai credo, porra que me assustei!
Nessa altura estava eu preso à leitura das últimas sobre o “meu” Benfica, depois de ter mergulhado numa crónica do Miguel Esteves Cardoso.
- Carlos Alberto Ramos, gabinete dois – chegou a minha vez!
Eram três da tarde.

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Excerto da croniqueta com o título "Palavrões", publicada em junho de 2009

sábado, 19 de março de 2016

“Mondego”, o cão

O “Mondego” era o enlevo da família de acolhimento, graças à sua permanente disponibilidade para as brincadeiras  dos meninos da casa.
Um dia, quando nada o previa, o dono levou-o a um passeio, serra acima; enquanto se entretinha com os cheiros daquele mundo estranho, levou longe demais a correria a ponto de se perder atrás de uma moita...
Depois de ter erguido as orelhas e aguçado o olhar em busca do dono, concluiu que tinha sido abandonado à sorte do destino incerto.
Devagar, cansado, foi até à berma da estrada que nunca tinha visto e por lá ficou, indeciso: 
- Atravesso para o outro lado, ou volto para trás?
Todo ele tremia - o instinto dizia-lhe para ser cuidadoso.
De repente, um dos muitos automóveis, em marcha lenta, acendeu uma luzinha, como se lhe piscasse o olho, e parou mesmo ao seu lado. 
Resoluto, o Paulo Marques - conheceu-lhe o nome mais tarde – pegou no “Mondego”, com jeito e palavras mansas, e colocou-o no banco de trás. 
A viagem foi longa. “Conversaram”, ele com latidos e abanadelas de rabo que, tinha a certeza, o seu protetor entendia, e este a querer saber coisas: de onde vinha e para onde ia - coisas que, para um cão como ele, agora em segurança, eram desnecessárias…
O Paulo, disse-o na roda de amigos, que se “limitou a alterar a vida e o futuro do miúdo”, sem pensar nas consequências: espaço para alojar o “Mondego” e a “zanga” da mãe:
- Mais um, Paulo?
O pai, homem de outros cuidados, atenções e paciências, conformou-se com o novo hóspede do canil, e “inventou” um lugar digno e acolhedor, de modo a que o “Mondego” se sentisse em casa.
- Bem vindo – disse o Paulo.
Feita a “chamada”, responderam oitenta e três utentes, incluindo o “Mondego”!
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Adaptado de uma croniqueta  com o mesmo título, publicada em dezembro de 2007

quarta-feira, 16 de março de 2016

Barco de papel

Volto à nostalgia para situar um ponto no Índico: Moçambique!
Foi naquele país encantado por deuses de múltiplas  facetas estéticas que me descobri como homem, cresci e quase completava determinado ciclo da minha existência quando valores mais altos se levantaram e retornei  à casa onde nasci neste ponto da Europa, longe do Atlântico enamorado pelas águas do Índico.Fosse eu Pedro, na lenda da Quinta das Lágrimas, e teria chamado à Baía do Espírito Santo, Inês. 
Na falta de ondas e marés, sem correntes de feição para embarcar as saudades num barquinho de papel, recorro à ciência deste tempo e sintonizo  sons que chegam do outro lado do mundo - basta um "click" e chego a casa!
Ao serão  tive companhia de elevado grau e qualidade - do locutor de serviço ao homem da técnica, de Villaret a Manuel Alegre, de Pedro Abrunhosa à "ELisa Gomara Saia",interpretado por voz genuína, sem trejeitos.
...E o telefone mesmo aqui à mão!
Num impulso, marco um número. Mais dois, três segundos...
- Bom dia, fala da Rádio Moçambique.
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Eram quatro da madrugada na "minha terra".






Adaptado de uma croniqueta publicada em dezembro de 2005 com o título
... E o telefone mesmo à mão!

domingo, 13 de março de 2016

Pomene: os primeiros turistas

Um dia de um mês que não recordo, no ano de 1968, fui destacado para uma missão militar que tinha como objetivo seguir eventuais sinais de elementos da Frelimo a caminho  do  sul, para os lados de Inhambane, onde estávamos aquartelados.
Aqui, a paz era absoluta, sem perigos visíveis, daí que as ações de vigia fossem realizadas com prazer.
Morrumbene é "logo ali"!
A minha principal missão era conferir os mapas da  região e anotar  os sinais que indicassem circulação de viaturas.
Marcas recentes de pneus num percurso que não constava da "carta militar" alteraram os planos da operação; atravessámos uma extensa plantação de  coqueiros e  seguimos os sinais  até às dunas. O  cheiro a maresia adivinhava o mar.
A viatura que “perseguíamos” aventurou-se nas areias inseguras, para surpresa da patrulha composta por meia dúzia de militares.…
- Num instante - o mar, a perder de vista no horizonte!
A imagem que os meus olhos viram, de tão bela, continua presente como se tivesse acontecido ontem: ali, a poucos metros do local onde estacionámos  o Jeep e o Unimog,, as ondas chegavam suaves, penetravam nas rochas, a água subia por dezenas de orifícios de diversos tamanhos e despenhava-se em espuma num espetáculo “nunca visto”!
...
Mais a sul, numa zona sem rebentação, um casal, despidos de qualquer peça de roupa, deixava-se acariciar pelas águas quentes do Índico. Perto, descansava um Jeep com matricula sul-africana. Tinham chegado os "primeiros" turistas a Pomene…

Há quem diga que, Pomene, (…) é o mais belo lugar de todos de Moçambique (…) !

terça-feira, 8 de março de 2016

"Coisas" fantásticas...

Pelo gosto de gostar da escrita e das "(...) coisas fantásticas (...)" da jovial GM, e a propósito de uma imagem sua, publicada  aqui:
http://pensamentosdeumagaja.blogspot.pt/2016/03/as-coisas-fantasticas-que-vejo-quando.html
não resisto a uma pequena "provocação" através de outra imagem, colhida  no meu sítio - esta:



Só pela sensibilidade das emoções da alma é possível ver e ouvir "(...) coisas fantásticas (...)"!

...Outra "provocação".http://www.guiacentro.pt/index.php/o-que-fazer/item/355-monte-frio-alpacas
- Quando pedalar por Monte Frio, "avise"...

domingo, 6 de março de 2016

Herói aos olhos do coração

Tenho uma estória de quando era rapaz para contar, coisa séria, mas a Satori impede-me de utilizar o braço direito por entender que é almofada ideal para o aconchego de um ronronar meio adormecido, que é como quem diz das pálpebras feitas cortinas sobre os olhitos;  às  vezes entreabrem-se, se fixo o olhar contemplativo  na minha parceira  do sofá
Delicadamente, afasto o braço mas ela ajeita-se, como agora fez, aumenta a cadência do ronrom e “pede” com o olhar doce para continuar como está – deixo-a ficar.
Tenho o braço cativo de um miminho e aproveito a liberdade do outro braço para conduzir o dedo indicador na pressão sobre as teclas, embora sem grandes virtudes, a mão direita é muita mais expedita, confesso…
Já não sei do paradeiro da estória que tinha intenção de desenvolver - não importa, como também não é importante trazer ao “monólogo” aquela vez - era eu rapaz! - em que fiz de mim um herói aos olhos do coração da minha amada. Num gesto doido “enfrentei” a mãe dela, não para pedir licença para namorar a filha, nada disso, mas para me assumir… apaixonado:
- Sou o namorado da sua filha, disse-lhe eu, mal abriu a porta de casa!
Dito assim, de chofre, a “coisa” não correu lá muito bem, mas depois de muita conversa a senhora brindou-me com nota alta e prometeu tudo fazer para o namorico receber a bênção paterna…
A gata Satori insiste no aconchego, dormita, tenho o braço direito dormente, a mão esquerda começa a dar sinais de cansaço, e o dedo indicador já não é o que era quando pisa as teclas do ASUS. Além disso, apagou-se a lareira…

sexta-feira, 4 de março de 2016

Saudades de um burro

Tenho saudades de um burro  que passava bem cedo na minha rua, arrastando ronceiramente uma carroça, velha como ele, o burro.
Se o dono tivesse acompanhado o progresso, por certo a carroça teria rodas com amortecedores e pneumáticos; como não tinha, acordava-me com um barulho sem melodia, começava algures, vinha de longe, e ia chegando perto, mais perto, sempre mais perto.
Saint-Exupéry, no "Principezinho", imagina a felicidade da raposa, ansiosa pela chegada das horas:
-"... Por exemplo, se vieres às quatro horas, às três, já eu começo a estar feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sinto...".
A melhor das minhas vontades seria sempre pouca para alcançar a felicidade da raposa. Ou talvez sim, depois do burro, arrastando ronceiramente uma carroça, velha como ele, estrada fora, se perder no silêncio: um pouco mais longe, mais longe, sempre mais longe…
Na minha rua, o vento, quando vem, sopra de modo diferente nas "portadas" das janelas, e a chuva, quando chega suave, parece acariciar os cocurutos das árvores. O sol, se acordar sorridente pela manhã, em silêncio beija-me o rosto.
O burro morreu, o silêncio não…

quarta-feira, 2 de março de 2016

Sabedoria infantil

Ouvi de passagem na Rádio Renascença...
Pergunta a um menino, a propósito da descoberta do Brasil:
- Qual  foi a primeira coisa que os portugueses fizeram quando chegaram ao Brasil?
Resposta imediata:
- Foram "pra" praia!