domingo, 7 de dezembro de 2014

(...) estupidamente jovem de sonhos a superlotar uma "valise de carton"...

O sol que entra filtrado pela janela da sala com quarenta e dois metros quadrados de espaço útil é insuficiente para me aquecer, sentado no sofá com anos de uso mas com os pés assentes no granito do chão da lareira; quando chega o frio gelado da Estrela, ela, a lareira, renasce das cinzas depois do milagre da chama de um fósforo em comunhão  com  uma acendalha.
Como sempre, em horas do mesmo estilo e feitio, pela manhã, ouço  rádio - não uma estação qualquer, as minhas preferências vão por inteiro para a Smooth FM, que reservo em tudo quanto é aparelho  de companhia nos silêncios das  ausências físicas de filhos e netos. Se me apetece, coloco um LP de vinil no gira discos e transporto o pensamento para tempos de glória, quando se é estupidamente jovem de sonhos a superlotar  uma "valise de carton", que é o local próprio para guardar  os sonhos em qualquer idade - eu que o diga: amante do "tango", por ser tosco no ritmo, fiquei-me pelo "baile mandado"... 
Levanto-me do sofá, curvo-me para chegar à prateleira mais baixa da estante  e com a mão direita retiro à sorte, não um LP, mas o "Single" "O Tango dos Barbudos"! Coincidência... 
-  Agora vou  rodopiar na cadência da dança - sempre movimento as pernas abraçado à nostalgia de uma "matinée"  nos "Velhos Colonos", de preferência  ao som dos "Night Stars" , "Renato Silva", "Corsários", ou  dos "I Cinque di Roma" numa "soirée" do Hotel Polana...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Posso Ajudar?

Repete-se  a croniqueta e acrescento estória com final  semelhante e outra protagonista,  como se fosse um "tango" ( ou outra dança...) com dedicatória  anunciada no silêncio das meias palavras. 
Da Mariana, conheci-lhe o sorriso;  do "tango", apenas palavras - das que alimentam o espírito...

A Mariana trabalhava na Livraria Académica e usava os cabelos compridos.
Perdi o conto às visitas que fiz à livraria, na esperança de ser ela a ouvir os meus pedidos de coisas simples: lápis, borrachas, papel cavalinho, aguarelas...
Quando não estava necessitado de nada, teimava em continuar cliente de leituras, embora curtas. Foi assim que conheci Mário Sá Carneiro, António Botto, Alves Redol e tantos outros autores portugueses
A estratégia era simples: para que a Mariana viesse ter comigo, entrava na loja e ia direitinho à estante das obras menos procuradas. E ela vinha, mesmo depois de se ter apercebido da marosca, com um sorriso malandro.
- Posso ajudar?
Poder, podia, mas a ajuda necessária não tinha nada a ver com esclarecimentos sobre as obras expostas. Talvez se falasse do tempo que fazia lá fora, do single musical em voga ou de qualquer coisa que me fizesse ganhar coragem, eu teria saído do canto da minha timidez e declarava-me... "apaixonado"!
A Mariana foi sempre muito profissional no seu papel de balconista e nunca passou do cumprimento de circunstância e da frase sempre igual:
-Posso ajudar?
Eu, como não tinha asas para voar para outras conversas, fiquei cativo da timidez e ela nunca soube da minha "paixoneta"... adolescente.