domingo, 29 de novembro de 2015

“Grande é a poesia, a bondade e as danças..."

... "Mas o melhor do mundo são as crianças…" (Fernando Pessoa) 


Um dia, a Margarida contou-me que o infante Guilherme só comia peixe se este lhe aparecer no prato, inteiro, da cabeça ao rabo - recusa-se a ingerir qualquer posta de “peixe mutilado”, que é como quem diz, na sua imaginação, retalhado aos pedaços, grandes ou pequenos. Mas do que o Guilherme não gosta mesmo nada é de “morangos mortos” nos gelados ou nos iogurtes ...
Uma vez, um dos meus filhos, o Carlo, resolveu semear um caroço de laranja num dos vasos com plantas
que ornamentavam a entrada do prédio onde habitávamos; a sua maior preocupação era, no futuro, o crescimento da árvore e os frutos que haviam de nascer - certamente os vizinhos iriam “roubar as suas laranjas” ...
Já o Hugo, quase a terminar a primeira parte de um jogo de futebol, farto de tanto pontapé numa bola, sem um golinho  dos "nossos", questionou:
- O jogo muda aos "quantos"?....



sábado, 28 de novembro de 2015

Bhav Gonzaga



Hoje, por ser hoje...




Entre a (minha) croniqueta que fiz publicar na “Plateia” sobre o “Tema para um Homem Só”, em 1979, e a “leitura” musical deste “Shangri-La Goa” acabado de nascer (2012), vai um mundo de emoções que não consigo traduzir em palavras - falta-me engenho e arte para juntar letras e construir frases inteiras, das que dançam embaladas pela cadência da (tua) música…
Lembro-me do festival RTP da canção, em 1979, e do teu nervoso miudinho antes de entrares em cena. Depois, não muito depois, o tempo fez com que partilhássemos os bastidores de múltiplos espetáculos.

Contas feitas, já passaram mais de trinta anos – tempo de uma vida à volta de outro tipo de emoções, com Moçambique a fazer a ponte entre as minhas e as tuas memórias, dos “meus” Night Star’s”, de mim para mim, tu e os outros com as lembranças felizes dos teus “Apaches”. Como o tempo passa…

Encantado com os temas de “Shangri-La Goa”, quero tornar público o abraço cordial e fraterno pelas lembranças do “outro lado do mundo”.~

 Kanimambo!
*
2012
 

    






quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Insónias e pesadelos

Vá lá saber-se porquê, uma noite destas tive uma insónia que me deixou mais cansado do que estava quando me deitei.
Dei conta disso depois das voltas nos lençóis; como se não bastasse o corpo maçado, também a alma ficou dorida pelo corrupio de ideias que durante todo esse tempo afloraram à mente, coisas parvas, estúpidas, algumas sem sentido, mas eram ideias e pronto - guardei-as para descodificar em melhor ocasião
Tenho para mim que a falta de sono surgiu na sequência de um daqueles pesadelos de que quase nunca nos lembramos ao acordar; coisa boa, no mínimo razoável, não terá sido...
Como é bom de imaginar, horas a fio naquele jeito incómodo de estar, deram-me a volta à cabeça. Ainda peguei num dos livros que tenho à cabeceira, “Rio das Flores”, de Miguel Sousa Tavares, mas a leitura não trouxe o resultado esperado; reconhece-se ao autor talento e qualidade na escrita e na palavra dita, mas este romance, a meu ver, peca pela minúcia de determinados relatos e esse pormenor enfadou-me, confesso.
A propósito do título, quando o li, pareceu familiar. Pelas dúvidas, fiz uma busca (abençoada Internet!) e encontrei: Rio das Flores é nome de cidade brasileira, pertence ao município do Rio de Janeiro! Mera coincidência, dirão, também creio…
A propósito, o Brasil é um país que me seduz por múltiplas razões; “sei” de um colibri, passarito simpático, de bico esguio e ágil, que suga o néctar das flores pairando no ar com as asitas em frenética velocidade, como todos fazem; este rodopiou uma, duas, vezes, à volta da “primavera” e quase a beijou, como se fosse flor.
Será – é! – uma imagem romântica, como outras que poderia surripiar da obra do poeta Mário Quintana, por exemplo, mas basta esta para ilustrar a poesia do gesto.
Obviamente, não é só o “beija-flor” que me fascina naquele país irmão Pouco amante da arte do samba, prefiro a dança do futebol, aprecio a paisagem “ africana” de que tenho saudade, e o quentinho do clima – outra saudade, agora ainda mais sentida pelo contraste do frio que vai fazendo por cá…
Volto à minha insónia.
É fantástico como no “silêncio do escuro” se pensa de forma profunda nos afrontamentos da vida e nas “soluções” para os problemas que carregamos diariamente! Porém, quando vem a luz do dia, ou se acendemos a lâmpada do candeeiro da mesinha de cabeceira, aquilo que parecia ter lógica, deixa de ter, e as soluções, quando muito não passam de hipóteses…remotas.
Quero dizer que devemos estar em permanente escuridão quando se procuram decisões para os problemas de vária ordem e qualidade? Nada disso - é importante que tudo seja feito às claras, sob pena de ficar alguma sombra incomodativa.
Se há uma solução para determinado coisa que atrapalha, vamos a ela!
O pior é quando não se consegue enxergar uma luz ao fundo túnel e as insónias se confundem com pesadelos…
Como sou um “sortudo” nestas coisas, ando por aí de “candeia acesa”, mas nada de avistar soluções para os meus achaques - só insónias e pesadelos.
Hoje vou jogar no euromilhões!
*

terça-feira, 24 de novembro de 2015

A "rapariguinha"

Reescrever uma estória publicado em 21.11.06
*
A rapariguinha disse à amiga que estava grávida.
São demasiado jovens. Brincam com coisa séria, pensei.
- É verdade, estás mesmo grávida?
- Estou com um mês, é verdade.
- Que idade tens?
- 17.
- E o teu namorado?
- Tem a minha idade.
A amiga entra na conversa:
- Anda por cima esta parva engravidou de propósito!
- Foi? - quis saber, curioso.
- Foi, pois - respondeu de imediato, com ar feliz, como se tivesse subido ao Everest, e conta:
- O meu namorado enganou-me com outra e eu, como queria ficar com ele, engravidei para o prender. Em minha casa ninguém queria acreditar, nem ele, mas fui fazer os testes à farmácia, e quando os mostrei é que viram que não estava a brincar!
- És "muita stupida" - atira-lhe a amiga, com ar de desprezo.
A rapariguinha encolheu os ombros, continuou a sorrir e saiu do RiTuAl.


domingo, 22 de novembro de 2015

Por ser domingo...


Não é o domingo que me descansa mas, por ser domingo, liberto-me de alguns afazeres institucionais - sou dono absoluto das vinte e quatro horas  deste dia cinzento e frio, como estava anunciado.
De pijama vestido e  bem agasalhado, depois do pequeno almoço, acendi a lareira e decidi reservar a manhã para terminar a leitura  de "Mulheres de Cinza", de Mia Couto.
A obra é mais uma centelha do talento  do autor, a merecer público  louvor; por mim, leitor incondicional, não lhe "perdoo" que tenha deixado a esbelta e bonita Imani,  protagonista da estória, com água na boca por não consumar  o desejo de "(...)  ser mulher...|" nos braços do sargento Germano...
O pormenor que respigo do livro trouxe à minha memória passagens do tempo que vivi nas mesmas paragens, Inhambane e arredores, sendo certo que Mia Couto não exagera nos atributos físicos  com que desenhou a jovem Imani. Inhambane, além de ser "Terra da Boa Gente", como lhe  chamou Vasco da Gama, a caminho da India, é pátria de lindas mulheres. Perdi-me de amores por uma...
Hoje, por ser domingo, decidi-me por um "almoço à portuguesa": bacalhau com batatas e couve tronchuda. O bacalhau foi pescado nos mares da Islândia,  as batatas e a couve vieram do quintal do vizinho;  azeite novo (das minhas oliveiras)  e  dois dentes de alho (espanhóis)   condimentaram o prato. Para acompanhar, com requinte de escanção, escolhi um vinho alentejano de 2003 e  deixei-o "respirar"  a preceito...
Para sobremesa, uma fatia de queijo de Seia e uma banana do Equador...
De volta à lareira, fiz-me acompanhar de um café "Delta"  e  beberiquei  boa porção de medronheira,  do tempo da mãe Natália. 
- "Almoço à portuguesa", ou quase...
A tarde insiste na melancolia  dos dias tristes e as  gatas não "pedem" para ir ao quintal, como é hábito.

Sonhos do profeta com que me fiz



Guardo a recordação de largos minutos de conversa sem rumo certo, embora o motivo que nos levou à fala fosse de importância coletiva, de toda uma comunidade. 


Sem soluções no imediato, limitei-me aos argumentos de ocasião e fui deixando a promessa do meu empenho em levar a bom porto as justas reivindicações das duas senhoras, uma de cabelos da cor da neve, a outra com eles quase grisalhos.

Com a atenção dividida pelas duas, nem dei conta do tempo passar...

As conversas estavam servidas numa taça Lalique, como as cerejas à sobremesa; foi por isso que a uma se seguiu outra, e outra, e outra! Desfrutei, pois, o momento que era único - será único, digo eu, porque faço de profeta quanto ao futuro.

Horas depois, agora, noite alta a entrar na madrugada, continuo com a agradável sensação de que, como a Samaritana, que Coimbra canta, ( “… que bem eu fiz, Senhor, em vir à fonte”) , também eu fiz bem em aceitar a conversa “…a las cinco de la tarde”, (apetece-me citar Garcia Lorca pela coincidência da hora e não pelo conteúdo do poema!…) – e vou trauteando o fado coimbrão, cuja mensagem bem pode ter alguma analogia com o que me vai no pensamento  se uso o adjetivo “plebeu" e o associo à “redentora” de cabelos grisalhos – não por ser quem é ou pela imensidão do sorriso que redimiu o meu dia, mas pelo efeito circunstancial de me deixar acordado na sensação agradável… de um fado!

Grave, grave, é imaginar que o sono tardará, e quando vier… talvez carregue sonhos do profeta com que me fiz na estória. 

Como tomo umas quantas pílulas para manter o equilíbrio entre a “mínima e a máxima”, o ritmo cardíaco deve estar “normalizado” pela manhã, mas nunca fiando!

… Pelo sim, pelo não, uma médica à distância de uma consulta vinha mesmo a calhar!

sábado, 21 de novembro de 2015

"Memórias" de Gabriel Garcia Márquez


Reli "Memórias das minhas putas tristes", de Gabriel Garcia Márquez, colombiano, prémio Nobel da Literatura em 1982 com a obra "Cem Anos de Solidão".

Diz o autor, sobre o avanço da idade no homem maduro, que "...as primeiras mudanças são tão lentas que mal se notam, e continuamos a ver-nos de dentro como sempre tínhamos sido, mas os outros vêem-nos por fora...".

...Quem olha de "fora para dentro", de facto nem sempre se apercebe que o "interior" não é, necessariamente, o reflexo do "exterior".

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Mia Couto - "Mulheres de Cinza" ( ..."onde moram os feitiços")

Tenho à cabeceira  "Mulheres de  Cinza", de Mia Couto - muito mais do que um escritor universal, no meu conceito de, medulamente, o identificar como parte de mim. "Medulamente", sim - é seu o termo com que me honrou, autografando "A Confissão da Leoa", em 2012,  como um dos seus. 
Assim, somos gente dos mesmos lugares...
Mia Couto é  o instantâneo de uma viagem com  este "...primeiro livro de uma trilogia moçambicana". Preto no branco, em "Mulheres de Cinza", regresso a Inhambane, Inharrime, Marracuene...
Mia Couto enfeitiça-me com as palavras. Falta "olhos nos olhos" para confirmar, como diz, que é "... aí que gostam de morar os feitiços".

domingo, 15 de novembro de 2015

" Lei do talião" - sim , ou não?

Sou um dos que deixa cair uma lágrima quando a emoção é mais forte do que a razão. 

Desde que me conheço, sempre reneguei a violência física. Quando a verborreia das palavras justifica  resposta a condizer na mesma forma e estilo, recuo nos gestos, faço silêncios incómodos para mim e para o meu opositor. Depois, no sossego dos meus pensamentos, revolto-me  por ser como sou, "fraco", "cobarde", talvez...

Porém, há momentos em que (parece...) nada sei de mim, o que me assusta, confesso. Agora - hoje, ontem - era bem capaz de levar à letra  a "lei do talião": olho por olho, dente por dente.

A partir do segundo em que tomei conhecimento da carnificina ocorrida em Paris, parou (quase) tudo no meu pequeno mundo: continuo preso às notícias da TV, a toda a hora, acordo uma, duas vezes por noite e recorro ao tablet para  estar a par dos desenvolvimentos dos factos, telefono a alguns amigos para trocar ideias... esqueço-me das minhas obrigações sociais, em suma.


Devo estar doente, terrivelmente doente, ou virei do juízo (?) por insistir  na punição que é devida a quem praticou tamanha barbárie.


Amanhã "estarei melhor", embora preocupado com  coisas mais comezinhas do meu universo solitário  - essas sim,  a justificarem toda a minha atenção, não vá deixar fugir  as minhas duas gatas, ambas  com cio. Anda pelo quintal um gatão  esbranquiçado,"ranhoso" e  mal tratado, triste figura que não se aconselha para namorico.

O meu coelho de estimação, o "Guilherme", levou sumiço. Continuo triste com a sua ausência. Por ele, ainda  me cai uma lágrima se não "der sinal de vida"...

... No pombal, há mais dois borrachos, lindos, lindos, brancos. Ontem deixei-os livres -  regressaram a casa depois de umas quantas piruetas e um sem número de voltinhas por cima do telhado.


"Acordar vivo"...



Haverá saudade que não seja infinita? Mia Couto – “Mulheres de Cinza”







Ao nascer, o dia sete de novembro trouxe a expectativa de sol brilhante e a certeza de que, a partir de agora, de dois em dois anos, terei de substituir o documento que me autoriza conduzir viaturas ligeiras. Para qualquer setentão, esta é a regra…

Para cumprir a lei, o melhor remédio é acordar todos os dias. Depois logo vejo … ou não !

sábado, 14 de novembro de 2015

"Pedra filosofal"

"Descomplica-se" o poema porque o amor não é complicado...

Ler e reler na companhia das palavras de António Gedeão:

"...o amor é tão lícito quanto a vida, faz parte dela;a vida é imaginação,a imaginação recria sonhos, os sonhos comandam a vida...e assim se fecha o circulo de cada um e de todos os que colocam amor na paixão, a paixão no amor, o amor na amizade - há sempre um principio e um fim...
- Haverá?... "
06.05-09

Já se vai embora?

A tia Deolinda (por parte da minha ex mulher) era uma senhora de uma gentileza sublime; tinha sentido de humor e até os queixumes sobre a sua avançada idade vinham envolvidos em sorrisos. Teria sido uma pessoa divertida e alegre na mocidade e, por razões que nunca questionei, não chegou a constituir família.
Durante os anos em que privámos, sobretudo durante as visitas de cortesia, recebia com um certo requinte: chá, café e bolinhos servidos em louça ”de marca”, toalhas bordadas à mão, mas o melhor de tudo eram as conversas sobre as suas memórias…
Não sendo senhora de frequência diária, sempre que podia assistia à Missa. Um dia, contava a tia Deolinda, estava tão absorvida nos seus pensamentos que não deu conta que se aproximava o momento da saudação. De repente, a pessoa que estava a seu lado, cumprimentou-a com um aperto de mão e ela, sem saber muito bem que dizer, possivelmente a pensar nas despedidas, continuou, como sempre, a ser gentil e fina no trato com palavras de circunstância, enquanto mantinha a mão que lhe era estendida apertada na sua:
 - Já se vai embora? Fique mais um bocadinho…
“Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto” – terei feito o mesmo, mas a estória da tia Deolinda é verdadeira e faz sorrir, o que, nos dias de agora, dá um certo jeito… por ser de borla.
21-10.11